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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Quis te escrever pra explicar que, apesar de tudo, sou capaz de sentir-ser amor.
E pensei que fosse necessário enfeitar as bordas da minha poesia com desenhos de flores feitas de aquarela pra que a beleza te atingisse e você pudesse entender. Pra te provar que, mesmo apesar de tudo, eu sou capaz de grandes belezas.
Mas quero que você encare essa poesia como um choro. Como se eu te agarrasse as pernas e chorasse com soluços e ar embolado na boca. Quero te falar com a violência de um pássaro. Com a violência da vida. Quero te falar com a violência doce de parir.
Quando eu tinha uns 7 anos, um garoto mais velho me encurralou contra a parede e quis ver o que eu tinha debaixo da calcinha. Talvez eu não tenha entendido esse pedido na hora, mas aprendi eventualmente que os garotos te pedem essas coisas como quem tem direito. Ele, com a confiança e naturalidade herdada do mundo, fez esse pedido sabendo que exercia poder sobre meu corpo pequeno que eu ainda nem conhecia.
Eu, que nem me olhava muito no espelho, que ainda nem entendia direito os limites entre minha carne e o exterior dela, tive que lidar com a ideia de que um outro alguém pensava sobre as coisas que eu tinha debaixo da calcinha.
Nesse dia eu aprendi a tomar um cuidado amargo. Entendi que em mim existia um sentimento ruim de defesa e agressividade e que as vezes eu precisaria usá-lo, por mais desagradável que fosse.
Apesar de tudo, eu sou amor.
Apesar da minha voz de fêmea ser barulho de poeira caindo no mar, e sua voz de homem ser alta e ecoar em todos os ouvidos, eu sei amar.
As vezes ser mulher é ser coisa aos olhos alheios. E, tomando consciência disso, as vezes minha vontade é arrancar esses olhos e alterar com as mãos a forma como eles me enxergam.
As vezes ser mulher é sentir que não importa o quanto você faça e queira, seu corpo não é seu.
As vezes ser mulher é duvidar da própria sanidade porque parece loucura não querer interpretar meu papel de mulher num mundo de homens.
E em todas as vezes ser mulher é ser desconsiderada nas palavras, nos gestos. É não ter propriedade nem conhecimento, por mais que você tenha.
Mas apesar de tudo, eu sei sentir-ser amor. Algumas de nós não sabem. Algumas tantas de nós que foram mutiladas, física e emocionalmente. Algumas tantas de nós que olham homens de corpo aberto e palavra larga, homens que podem, homens que não sabem que podem tanto e homens que nos desejam
mesmo quando não queremos ser desejadas.
Algumas de nós não conseguem mais amar e eu entendo. Porque quando faço arte, vocês me imaginam na cama. Porque quando lavo roupa, vocês me imaginam na cama. Porque quando vou ao médico, faço compras, dou risada, como uma pizza, vocês me imaginam na cama. Quando vivo minha vida normal de ser humano que sou, vocês me imaginam na cama. É pra isso que sirvo.
Mas apesar de tudo, apesar de tudo, apesar de tudo, eu amo. Eu sou resiliente e amo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

nas horas que o sol alcança uma luminosidade perigosa, nas horas perigosas do dia, nos pesamentos perigosos
a poesia mora. a poesia mora em todas as ocasiões. na banalidade das tardes amenas
e onde a guerra faz corpos deitarem mortos nas ruas.
nos lugares fedidos, nas pessoas fedidas
a poesia mora onde a gente não acha que ela poderia morar por só vermos o feio - mas a poesia mora mais no feio
ela mora nas listas, nas barbas, na tristeza, na falta de nobreza
poesia não é nobre, nem a poeta
o único lugar onde não mora poesia é no mar
ele não precisa