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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Eu não queria voar

Sou demais o céu pra deixar o chão.
Quem voa nunca enxerga o céu, enxerga aqui, terra dura. Só posso saber que o céu é bonito porque o vejo de baixo.
Porque só podemos olhar lugares nos quais não estamos. Porque onde estamos está ocupado pelo nosso estar.
Deixo o ser-céu pros passarinhos e pras fadas, e aceito, feliz, ver-céu. Mesmo que não voe nunca, que tenho pés firmes que andam devagar e olhos bem abertos pra olhar pra cima.
E o céu é bonito demais, é bonito demais.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Agora eu entendo. É você me observando. É sua necessidade de renascer.
Eu não vou sucumbir, natureza. Eu ainda não morri.
Era do tipo que está sempre pronto pra morrer, se é que isso é um tipo. Tinha testamento e um bilhete de esclarecimentos finais desde os sete anos, que foi quando descobriu a morte. A roupa com a qual queria ser enterrado ficava eternamente pendurada, bem passada, paciente. Listava coisas do seu dia que podiam ajudar na autopsia. Um dia esqueceu um prato sujo no criado-mudo
e morreu.

sábado, 18 de outubro de 2014

NÃO ME ACEITA

Hoje não vou ser calma, não. Essa semana não vou ser calma.
Não quero serenidade ou compreensão. Vou ser tempestuosa, ouviu. Vou te ligar de madrugada e gritar, vou ficar muito bêbada e te contar coisas que não podia sobre como me sinto.
Vai ter escândalo, sim. Vai ter copo quebrado na parede. Vou tentar te bater quando você me chamar de maluca e quero apanhar. Quero apanhar. Quero apanhar, ouviu?
Vou ralar o joelho no asfalto. ME ESCUTA, FALA COMIGO, ME OLHA, ME OLHA.
FALA COMIGO, QUEIRA. ME QUEIRA. NÃO ME DEIXA NÃO, NÃO DEIXA PRA LÁ, PERGUNTA, ME INSISTE. GRITA COMIGO, POR FAVOR, GRITA COMIGO, FAZ DRAMA, ME FAZ FAZER DRAMA E NÃO ME ACEITA. NÃO DEIXA PRA LÁ, me faz gozar.
Não quero paz, só hoje. Quero tempestade na alma e coisas que não prestam. Quero te recusar. Quero quebrar suas telas e ser tão sincera, tão sincera que dói.
quero que doa em todo mundo, carne viva. água do mar. pisar em calos, chicotes. jogar terra em cortes abertos. ver o sangue pingar, vermelho, vermelho. causar hematomas.
hematomas não, fraturas expostas. esfolar partes macias da sua carne branca e principalmente da minha
quero sentir tanto calor

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Maria Branca, tu não me machuca. Quem me machuca sou eu. Tu não tem culpa da minha necessidade da sua luz. Tampouco tem culpa de ter luz. Maria Branca, você é inconstante. Não apenas isso, você é quem causa a inconstância do mar, e de todas as coisas que são inconstantes.
Você nem sabe da tristeza que são os dias em que tu não aparece. Os dias que está nova, ou a cidade, chuvosa demais pra te deixar reluzir pra mim. Da mesma forma não sabe a felicidade que é ver seu sorriso branco, tão branco, crescente. Te ver nascer de novo. E quando aparece no meio de um dia de sol, mesmo sendo tão noturna.
Maria Branca! Você só faz o que quer, não é? Nessa tua eterna, rodopiante dança. Dança de quem é livre.
Maria Branca, Branca, que eu não posso nem pensar em chamar de minha. Você é minha vó, responsável pelo meu humor, meu sentir, meu querer, minhas águas, meus olhos, minha inspiração e pelo sangue do meu útero. Tu me acalenta, me acalma e sobretudo me nutre. Tu que conversa com o universo, e as vezes, por birra, pede que ele conspire ao meu desfavor.
Você é meu único amor. Até que os astros caiam do céu sou tua filha. E tu, minha regente.