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quarta-feira, 29 de julho de 2015

Não te apressa, mas também não demora muito que essa vida acaba.
Não vale a pena tremer e tensionar os músculos do abdômen por ansiedade.
Abre a janela pra poeira entrar: se a solidão tivesse cor, seria a cor da sua pele.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Paula me esperava na saída dos últimos dias de aula antes do verão. Chegava de blusão largo ou um vestidinho solto, de seios livres dentro da roupa respingada de sorvete, e eu a queria sempre. Quando me via parece que sorria o corpo inteiro, as pernas finas, a pele quase preta, o corte de cabelo. Abraçava-a e ela tinha cheiro de limão ou outra coisa cítrica.
Íamos por aí, tomávamos vinho na praça, e no fim da tarde chegávamos meio bêbadas na sua casa. Antes de acender a luz, antes até de trancar completamente a porta, eu a puxava pela nuca e pressionava contra a parede, distribuindo beijos cegos pelo seu rosto.
Em poucos passos casa adentro já estávamos nuas. Paula me segurava como se a vida pudesse escapar entre as frestas dos dedos se não segurasse forte. E não tinha pudor ou medo.
Sentia, nesses processos, o cheiro do verão que estava chegando.
As vezes, quando feixes da luz dos postes conseguiam entrar na casa, via minha saliva espalhada pelo seu corpo e sorria. E ela sorria. E seu sorriso me acertava como um flash nos olhos.
Deitávamos no tapete, ainda processando tudo que acabava de acontecer. Seu gosto na minha boca. Seu suor. Vinho.
No fim, eu via o clarão do isqueiro iluminar tudo por um segundo, e então a fumaça subindo. Tentava prender a cena entre meus cílios; seus seios subindo e descendo pelo arfar, a pele molhada, os pelos.
Mas o verão chegou rápido e derreteu as imagens. Porque éramos tão insuportavelmente humanas.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Esconde isso que pende do seu corpo. Aperta bem com sutiãs. Não lembra que seu pai disse que você "já tem teta grande, não tem vergonha não? vai por um biquíni maior" (lembra disso e não venha me provocar com eles. mas mostre-os quando eu pedir, safada).
Esconde esse sangue que te sai. Finge que não existe. Você realmente precisa falar isso alto? É sua intimidade, nojenta. São suas "coisas de mulher", é sujo, ninguém precisa saber. 
"Filha, o termo certo é "médico de mulher", tá bom?"
Esconde isso que tem no meio das pernas. Não quero ver calcinhas no varal. Aliás, que calcinhas são essas? Relaxada. E essas outras? Vulgar.
Prazer, imagina. Você é mulher, odeia sexo. Frígida. Ou não odeia? Vadia.
Mulher minha não precisa se masturbar não. Puta. Dou prazer sozinho. Não precisa saber do que ela gosta porque eu sei o que ela gosta.
pau.
Deixa que eu faço isso, flor. É trabalho pra homem. Fraca.


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Amo até os beijos ensurdecedores no ouvido.

Ele vem macio com um olhar que não sabe que faz, mas faz, e que não sei explicar, mas falo sobre. Abraça quente. E acho graça na surpresa que ele mostra quando o beijo vem antes do "oi".
É maduro mas fala besteira e ri solto da própria piada. Ri gostoso, fácil, infantil. E olha fundo como se quisesse atravessar minha íris, cavar qualquer coisa atrás dela com os olhos, beijá-la e devolve-la ao lugar.
Amo a boca macia e a língua. Amo quando as usa pra falar, pra me beijar e pra me chupar.
Me acompanha na novidade, mesmo que não seja novidade pra ele. Me dá a mão, apoiando sem guiar.
Amo quando é tão chato que o odeio. E quando desata a falar sobre mil coisas que eu não entendo, e eu fico ali olhando sem ouvir nada porque gosto de olhar pra ele. E porque gosto de como a boca se mexe e dos dentinhos pequenos, e de como ele puxa o ar entre as palavras.
E gosto de ficar o dia inteiro na cama, esquecendo da fome, do sol que faz lá fora, de tomar banho. Transando muito e gostoso e deixando todo o quarto com o nosso cheiro.
Amo sobretudo o jeito que descobri amar. Amar muito mas não mais que a mim. E forte, mas sem cobrar retorno. Querendo-o bem mesmo que isso não me envolva, e ficar feliz de vê-lo feliz, e ficar triste com sua tristeza e orgulhosa das suas vitórias. Sentir saudade mas saudade boa, sem me magoar ou ofender se ele não sentiu também porque estava com outras mulheres.
E não pensar nele durante todo o dia, mas não pensar em mais nada quando ele aparece.
Me sentir tão grata que o amarei a quilômetros e meses de distância.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Me fortifico

Saúdo a dor de pernas abertas
aguento a temperatura altíssima do sangue escorrendo pelas coxas e as contrações da terra se fazendo dentro de mim.
Absorvo-as e me fortifico. Permaneço em pé.
Em nome do meu sexo, aguento sem sofrer. Aguento meus seios doendo e pesando como se fossem um corpo estranho, parasita, sensíveis até ao toque do lençol. Aguento todo mês. 
Aguento homens falando que sou o sexo frágil. E se fosse pra gerar, aguentaria. E se fosse pra parir, aguentaria.
Faço, sem reclamar, o trabalho que meu corpo pede. Me encho e me esvazio. Acompanho a translação da terra, acompanho a rotação da Lua. 
Planto minha força e me reconecto. E quando tudo acaba, me sinto solo bom, como quando o volume do rio diminui e suas margens ficam férteis.
E então as dores voltam e eu aguento. Levanto da cama, me divirto, dou risada. Não pra fingir que ela não existe, mas pra sentir que ela sou eu.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

642 coisas sobre as quais escrever; 245 dê o pior conselho possível

escuta.
quero que você me beije e só isso que existe. não pensa. não precisa me negar porque já me neguei antes.
quando você estiver confusa, olha pela janela e pensa que sua cabeça é feita de nuvens, e sua confusão passa tão rápido quanto o vento que leva a chuva embora.
quando estiver triste quero que você pegue sua bicicleta e pedale até a serra do mar ouvindo a música que te lembre alguém que te machucou muito. e depois volte pedalando até a minha rua e me beije.
e quando se sentir pressionada, se demita e fume um baseado no seu ex-escritório. espera, esse na verdade é um ótimo conselho.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

As águas do mundo são sempre as mesmas

Um raio cai mil vezes no mesmo lugar. (você pode pensar que isso é bonito, como uma planta arrancada que ainda tem raízes. Mas não é.)
As águas de um rio passam, mas voltam. E eu esqueço de coisas mas de repente lembro, e arde. Porque resgato sentimentos que pensei obsoletos, e arde.
(sem doer, como sereno fino que não molha, mas existe.)
penso que já fui como um planeta recém nascido, em puro magma, em carne viva. exposto, aberto. que doía e molhava.
mas tenho feito-me solo duro e sei resistir ao rodar infinito dos corpos apenas com desconforto.
menos à minha própria órbita. essa dói.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

(642 coisas sobre as quais escrever) 258: Carta a um artista solitário

Eu também não falo espanhol

Oi. Quando o sorteador escolheu esse tema achei que não poderia ser coincidência. Então vou falar como se te conhecesse muito bem, como se soubesse seu nome e até te amasse.
Eu entendo a vontade de ficar sozinho num lugar muito alto. Uma vez vi o sol nascer no terraço de um prédio e agora não consigo lembrar de coisa mais bonita.
Não sei se você gosta de ser sozinho. Eu gosto. Talvez aprender a gostar faça bem (ou amenize o mal que te faz).
Espero que sua solidão seja arte tanto quanto puder. Não porque o mundo precise, mas porque talvez você precise pra não morrer afogado. E se quiser companhia, não estou.
Atenciosamente, ninguém.

para julho

a assimetria dos nossos contatos é uma coisa à qual meu coração não brinda.
seu céu branco e falta de sol me deixam deprimida. (não preciso disso porque na maior parte do tempo sou, eu mesma, céu branco).

segunda-feira, 6 de julho de 2015

peito-maré

se alguém pensa que eu vou sucumbir, que vou afundar
anunciarei partida e içarei minhas velas tão alto que deus vai reclamar.
e remarei tão rápido que virarei um pontinho alcançando o horizonte e logo não serei mais visível. e não sentirei remorso ou saudades e nem pensarei em quem deixei acenando na praia.
me entregarei com graça às correntes e as marés que me arrebatarão e dormirei sozinha na proa, sendo guiada pr'onde for que o vento queira, toda iluminada nua coberta de sol.
e quando estiver tão longe, derramarei as últimas lágrimas pra juntar meu sal com o sal do mar, e deixarei que Iemanjá sopre suave um vento que seque meu rosto e aqueça meu pensar.
e então, quem sabe, um dia eu afunde. vire morada ou alimento pra peixe, coral, sereia.