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quinta-feira, 21 de abril de 2016

Não me senti capaz de englobar a cidade entre as pernas por ter um passo muito curto. Empurrava o chão e parecia brincadeira. Poucos centímetros de asfalto ficavam atrás de mim, quilômetros de prédios acima, engolindo o céu, engolindo a mim. Mas minha pressa é pequena e minha vontade ofusca os faróis e postes. Minha vontade me faria engolir a fumaça e brotar dela coisas lindas. Rasgaria o asfalto e embaixo dele a terra seria vermelha, e as sementes acordariam. Minha vontade adoçaria as frutas, curaria as mulheres. Os prédios ruiriam com violência e calma. Os presidentes ficariam nus. Minha vontade correria a cidade com tamanha velocidade que as pessoas julgariam se tratar de um dilúvio, e teriam medo de morrer (não morreriam). Aqueceria as bocas dos que falam com frieza. Minha vontade seria uma parede forte, grande, imensa, contra a qual as palavras de ódio bateriam e virariam nada. A água dos rios cinzas viraria espelho e a limpeza para nossa vergonha. As raízes quebrariam as calçadas. Minha vontade faria chover um dia inteiro pra que ninguém e nada saísse seco. Minha vontade é a carne viva do mundo.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

a vida é um desenrolar suave, balança, muito precisa
a mente pede coragem, fogo, entretanto calma
quando as pessoas ficam é odioso mas quando vão embora é pior
e sempre que choro fica evidente que os seres fazem o que querem, e eu faço o que quiser com o que me foi feito (se é que algo já me foi feito por alguém que não eu)
e tento ser amor, coragem, feliz
e consigo
mas também me sou só, e não sei como não ser
não sei ser par, trio, grupo. só sei ser eu
ou ser tudo
e peço desculpas pelo casulo jogado no mundo que me fiz. amor

sexta-feira, 1 de abril de 2016

enquanto nós, o mundo, nos ocupávamos das coisas mais banais, vivendo com a certeza de que viveríamos também o dia seguinte, você dormia. dormia um sono afogado. um sono de quem não tem opção senão dormir. sono mal oxigenado por conta das células doentes cancerosas.
você dormia um sono induzido por remédios. sono que escolheram pra você, numa cama que fizeram pra você, num lugar onde só se diz tchau.
me ligaram, interrompendo minhas banalidades, pra que eu pudesse dizer tchau. cheguei tarde demais porque o remédio já atingira seu sistema nervoso e você já não ouvia mais nada.
voltei pra casa e te deixei dormir, com aquela respiração assombrosa de dificuldade existente.
dormi meu sono normal numa cama feita por mim, e sonhei.
ao meio dia em ponto, você morreu. eu estava no mercado e só pensava em morte. em como a vida pode seguir em ocupações cotidianas, como comprar comida, cozinhar sopas, limpar a menstruação que pingou no chão do banheiro, enquanto pessoas faziam a coisa mais extracotidiana que é morrer. pensei se não deveríamos fazer coisas loucas e estranhas o tempo todo pra que morrer não fosse tão estranho assim. pensei na velhice
em ficar sozinha
deixar pessoas sozinhas
na senilidade quase nada lúcida
e chorei porque não acredito na morte mas que ela existe, existe